Finalmente, o urutau!!!

O carnaval deste ano foi muito especial para mim e para os que me acompanharam (minha namorada Larissa e meu cunhado Fábio) durante alguns dias no Parque Estadual Intervales, em SP. Além de passar dias super agradáveis longe da bagunça do carnaval, ainda pudemos conhecer algumas cavernas muito legais e, obviamente, observar as aves que habitam a mata daquele parque.

Ao contrário do que foi quando visitei o parque pela primeira vez em dezembro do ano passado, dessa vez as arapongas (Procnias nudicollis) estavam completamente caladas! Durante os quase 4 dias que passamos lá, ouvi somente duas vezes, e bem ao longe, a sua martelada característica. Me dei mal pois tinha meio que "prometido" à Larissa que a levaria para conhecer a araponga... mas não foi dessa vez hehe...

As aves em geral pareciam estar mais quietas dessa vez, mas isso não impediu o registro de algumas espécies novas para mim como o inhambuguaçu (Crypturellus obsoletus) - que dessa vez foi ouvido e também visto; o interessantíssimo uru (Odontophorus capueira), que fazia um som muito curioso em resposta ao assovio do nosso guia, enquanto caminhava desconfiado no solo por entre a capoeira. Logo que nos via, tratava de correr pra dentro da mata...
Também deu pra ver um grupo de jacutingas (Aburria jacutinga) no alto das árvores ao amanhecer na estrada do Carmo. A araponga-do-horto (Oxyruncus cristatus) e os surucuás (Trogon surrucura e T. viridis) também deram as caras. Enfim, a lista mais completa eu deixo pra postar depois, senão acaba que eu não falo do astro da nossa viagem passarinheira: o urutau (Nyctibius griseus).

Urutau sobre tronco de árvore 
Um urutau (Nyctibius griseus) em seu descanso diurno, demonstrando sua incrível camuflagem. Foto: Jefferson Silva

Desde a primeira vez que ouvi falar do urutau (também conhecido como mãe-da-lua), fiquei encantado com como ele é diferente das outras aves. Primeiro, pelo seu canto que mais parece um lamento triste no meio da noite. Canto esse, aliás, motivador de inúmeras lendas que correm nas tradições rurais e indígenas (em tupi, o nome "urutau" significa ave fantasma). Segundo, pelo seu comportamento curioso durante o dia, quando fica pousado sobre troncos e mourões totalmente imóvel e com o pescoço para cima, tornando-se quase imperceptível aos nossos olhos devido à ótima camuflagem de suas penas. Mais ainda: à medida que se procura saber mais sobre essa ave, vemos que as "bizarrices" do nosso amigo urutau vão além do seu canto e da sua postura.

Assim como as outras espécies do gênero Nyctibius, a mãe-da-lua possui uma boca enorme e um bico minúsculo, com um dente na maxila. Os olhos também chamam a atenção pelo grande tamanho e pela coloração amarela, brilhando de longe ao refletir a luz de lanternas ou flashes fotográficos. Além disso, sua pálpebra possui duas incisões que dão ao urutau a capacidade de "enxergar de olhos fechados", artifício que usa durante o dia para monitorar os arredores. Consta ainda que o macho é responsável por chocar os ovos (o que não é novidade entre as aves), fazendo-o também usando a postura vertical. O filhote da espécie é um dos que levam mais tempo para se desenvolver, chegando a ficar quase dois meses ainda no ninho após sair do ovo, o que demonstra uma vez mais a eficácia de sua camuflagem. O filhote, pouco tempo depois do nascimento, também adota a postura ereta ao se sentir ameaçado.

Bom, voltando à viagem a Intervales... o fato é que, até o sábado de carnaval, eu nunca havia visto pessoalmente esse bicho tão curioso. Se em dezembro eu só consegui ouví-lo, dessa vez eu fui "armado" para vê-lo: levei uma boa lanterna, uma câmera fotográfica, binóculo... e lá fomos nós, após o jantar, procurar o tal "urutau" que eu tanto comentava. Playback aqui, playback ali (*) e nada... então resolvi ir para a mesma estradinha onde eu o tinha ouvido em dezembro.
Depois de duas ou três repetições do playback, um som de batida de asas e ouvimos, bem à nossa esquerda, a melodia tristonha do urutau. Deu aquele frio na barriga mas a gente ainda tinha que encontrar o bicho. Eu procurei, procurei, mas no fim quem encontrou mesmo o urutau depois de alguns segundos foi a Larissa. Aí foi emoção geral... "Putz, ele existe mesmo!", "Que gracinha!", "Uauuuuu....". Foi realmente um orgasmo ornitológico dos mais intensos. Poder observar ali, na nossa frente, aquela ave tão curiosa e tão aguardada foi uma emoção muito grande pra todos nós. Ficamos alguns minutos observando, fotografando e filmando aquele momento. Na volta para a pousada, percebi que eu estava sorrindo ininterruptamente desde a hora em que avistamos o urutau! Incrível :-)

No dia seguinte, íamos voltar ao mesmo lugar para tentar vê-lo novamente, mas o cansaço não deixou e fomos dormir. Então, no outro dia, voltamos lá e conseguimos mais uma vez atrair a ave. Aliás, dessa vez nem precisou playback. A bateria do meu celular havia acabado e ficamos sem o playback, então assoviei algumas vezes imitando o canto do urutau, igual eu aprendi lá na Serra da Canastra durante uma das saídas noturnas do curso que fiz por lá com a Tietta (hehehe, o pessoal do curso vai entender por quê eu to dizendo isso rsrs)...

Agora, além de ter avistado o urutau, tenho também minha própria foto dele (veja abaixo). Não é lá essas coisas mas vale como registro do nosso primeiro urutau. Em seguida, um pequeno vídeo que fizemos da ave durante os dois dias de avistamento. Curioso notar no vídeo que o canto do urutau lá de Intervales é um pouco diferente do canto que eu usei como playback, sendo um exemplo da variação regional que pode ocorrer no canto das aves. Outro fato curioso é que ele pousou exatamente no mesmo lugar nos dois dias em que o observamos.

 
Registro do urutau que observamos em Intervales. O olho brilhante foi causado pelo flash da câmera.




(*) É importante ressaltar que o uso do playback deve ser feito com responsabilidade e cuidado para não provocar efeitos indesejáveis às aves (eg. estresse, abandono de ninho, etc.). No nosso caso com o urutau, a gravação do seu canto foi tocada por uma, duas ou três vezes, seguidas de um intervalo de cerca de meio minuto para audição, para que se detectasse alguma resposta vinda da mata. Na ausência de resposta, caminhávamos por algumas poucas centenas de metros e repetíamos o processo. Depois de atraída a ave, não é preciso mais o playback para poder admirá-la, já que ela é quieta e permite uma certa aproximação dos observadores, inclusive com lanternas.

8 comentário(s):

  1. Muito legal, Bruno, parabéns!!!

    Deu até para se emocionar com teu texto! Eu mesma nunca encontrei sozinha um urutau, snif...

    Agora atente se não anda abusando do playback, hein? ;-)

    Sucesso,

    Tietta Pivatto
    Bonito - MS

     
  2. "Foi realmente um orgasmo ornitológico dos mais intensos. "

    Ualá, qro conhecer o Urutau pessoalmente tb!!! rsrsrsrs

    Realmente é uma das espécies mais bizarras e encantadoras desse imenso e misterioso mundo "baronil"...

    Adorei, espero um dia visitar o parque na cia de vc´s!!! E tomara q o Urutau venha nos assombrar a noite!!! Uhuuul, ou vice e versa...hehehehehehehe

    Tá de parabéns o blog by La rata humana!!! hehehehe

    bjocas!

     
  3. Que lindo.. parabéns pela façanha!

    Abração.

     
  4. Fantástico amigo!!!!!!!!!! Incrível, até eu me emocionei com suas palavras, deu pra sentir o que vocês sentiram!!!!!!! Maravilhaaaaa..... Vocês são demais...

     
  5. Lindooooooooooo o canto dele... (Bruno diz:) Canta só mais uma vez pra eu filmar... e ele (o urutau) prontamente responde cantando!!!!! Demais............ Fantástico!!!!

     
  6. Parabéns, pela avistagem e pelo post, super interessante.

     
  7. Por que eu não fui mencionada na sua poética narrativa?

     
  8. Oi Bruno...

    Parabéns... eu só fui ver "meu primeiro urutau" com 10 anos de carreira!!!!
    É uma das experiências mais fascinantes e inesquecíveis para quem gosta/aprecia/estuda aves.
    Abraços...