Meu caro leitor, você conhece a Serra da Canastra? Já teve a oportunidade de visitá-la? Sabe quais as fitofisionomias lá presentes? As espécies endêmicas do parque? As espécies ameaçadas de extinção que ela abriga? As espécies de aves migratórias que dela dependem para sua reprodução e sobrevivência? E sabe da importância daquela região (e do Cerrado em geral) para o abastecimento de água do nosso país?
Cachoeira Casca d'Anta, no Parque Nacional da Serra da Canastra.
Não obstante tudo isso, a preservação da Serra da Canastra está por um fio. Dois projetos de lei (PL-1448/2007 e PL-1517/2007) recentemente aprovados pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados propõem a transformação de parte do Parque Nacional da Serra da Canastra em Área de Proteção Ambiental (APA). A APA é uma categoria de unidade de conservação que, ao contrário do Parque Nacional, permite sua exploração "sustentável".
"Mas por que isso?", você pode me perguntar. A resposta dos "ilustres" deputados responsáveis por esse verdadeiro atentado ao meio-ambiente é a de que estariam, assim, regularizando a situação fundiária das cerca de 2 mil pessoas que vivem na área não-demarcada do Parque.
"Mas isso é muito bom!", você poderia me dizer. Sim, seria ótimo resolver a situação daquelas pessoas de maneira que elas pudessem seguir suas vidas de maneira sustentável e sem afetar o equilíbrio ecológico de uma das mais importantes unidades de conservação do Cerrado brasileiro.
Para os menos ingênuos, porém, a verdade é bem mais suja (como costumam ser as fichas criminais dos nossos nobres políticos): o verdadeiro interesse daqueles que querem recortar a Serra da Canastra é liberar o local para a exploração mineral.
Ao longo dos anos, o Departamento Nacional de Produção Mineral concedeu inúmeras licenças para prospecção e exploração de diamante e quartzito dentro da área do Parque Nacional da Serra da Canastra. Uma verdadeira ilegalidade, um estupro ao que reza o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
Essas licenças foram concedidas, em sua maioria, à empresa Samsul Mineração Ltda. e suas subsidiárias. Transcrevendo do próprio
site da empresa: "
A Samsul Mineração Ltda. é uma empresa Brasileira, 100% controlada pela empresa Canadense Brazilian Diamonds Ltd., com ações nas bolsas de Vancouver e Londres [...]"
Ora, meu amigo, veja bem... alguns dos nossos representantes no Poder Legislativo estão, portanto, querendo entregar um dos mais importantes Parques Nacionais do nosso País para as mãos de "meia-dúzia" de acionistas estrangeiros para que eles ganhem dinheiro às custas da total degradação do nosso meio-ambiente. E que não me venham dizer que quem ganha com essa atividade econômica é a população local, porque essa população não vai ser mais do que massa de mão-de-obra barata para as mineradoras. E essas, por sua vez, não darão às pessoas mais do que míseros salários travestidos de "bênção" e um legado de poluição e desastre ambiental. A população local ganharia muito mais se pudesse exercer atividades sustentáveis como, por exemplo, o turismo rural e o ecoturismo responsáveis. Essas alternativas seriam muito mais vantajosas em termos de distribuição de renda para a população da região do que a concentração da extração mineral nas mãos de uma grande empresa estrangeira.
Mas por que eu estou falando disso tudo num blog de aves? Simplesmente porque as áreas onde se encontram as jazidas de diamante que os "nobres" deputados querem conceder às mineradoras estão sobre territórios de uma das espécies de aves mais ameaçadas do mundo: o
pato-mergulhão (
Mergus octosetaceus).
Estima-se que existam na natureza (em todo o planeta) cerca de 250 indivíduos dessa espécie. Sim, apenas 250. A maior parte deles na Serra da Canastra. E sabe do que o pato-mergulhão precisa para sobreviver? Água limpa e mata ciliar. E sabe onde ficam as minas de diamante? Na beira dos rios e córregos. Não por acaso, a figura abaixo mostra exatamente uma dessas minas (instalada dentro do Parque Nacional - diga-se de passagem) localizada no Córrego Cachoeira onde - adivinhe só - existe o pato-mergulhão! Ou pelo menos existia em 2006 quando foi realizado o maior censo dessa espécie naquela região...
Se você acredita em fada-madrinha, papai-noel, coelhinho da páscoa e afins, não precisa fazer muita coisa senão aceitar as justificativas esfarrapadas que os deputados inventaram para embasar esses projetos. Agora, se você tem um mínimo de consciência crítica, deve pensar por você mesmo a partir de todo o valor científico, histórico e ambiental presentes na região da Serra da Canastra. E, ainda, pode
entrar em contato com o deputado em que votou nas últimas eleições e solicitar que ele peça a revisão em Plenário desses dois projetos de lei. Caso seu deputado não te atenda, o mais provável é que ele esteja mais interessado nos "incentivos" oferecidos pelas mineradoras do que no seu voto e, portanto, nas próximas eleições você já saberá em quem NÃO votar, não é mesmo?!
Por fim, seria injusto não mencionar os autores dos dois projetos de lei e também os dois únicos integrantes da CCJC que votaram contra as duas propostas:
Votaram contra: Sarney Filho e Regis de Oliveira.
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25 de junho de 2010
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