Mais sobre o recorte da Serra da Canastra

Engraçado como algumas questões são capazes de mobilizar forças e ideologias teórica ou historicamente opostas em prol de um mesmo objetivo. Não que isso seja algo condenável em si, já que a complexidade do ser humano torna isso mais que natural.
O problema é quando essas forças se unem motivadas por interesses particulares (lícitos ou não, claros ou obscuros) ou corporativistas. Mostra recente disso que estou falando é a atuação do deputado federal Aldo Rebelo na luta pela aprovação de uma nova proposta para o Código Florestal. Membro do Partico Comunista do Brasil (PCdoB), Aldo Rebelo se tornou o "queridinho" da bancada ruralista, em geral composta pela direita conservadora e representante dos latifúndios monocultores e do agronegócio em geral, ao propor relatório desfigurando o Código Florestal brasileiro. Nem mesmo a bancada ruralista esperava tamanho empenho do nobre colega "comunista" na defesa dos interesses dos grandes proprietários de terras e burgueses do agronegócio.

Também tal convergência de interesses está presente no caso dos projetos de lei que propõem a redução da área do Parque Nacional da Serra da Canastra. Os projetos, apresentados em 2007, foram assinados pelos deputados Carlos Melles (DEM), Odair Cunha (PT), Maria do Carmo Lara (PT, atual prefeita de Betim), Geraldo Thadeu (PPS) e Rafael Guerra (PSDB). Novamente, vemos a atuação conjunta de legendas normalmente divergentes (PT, PPS, PSDB, DEM) com o objetivo comum de permitir que a roda do capitalismo desenfreada passe por cima da conservação da biodiversidade. Ou, talvez, o objetivo de cada um desses políticos citados nem esteja tão assim no plano ideológico. Talvez seus interesses sejam mais mundanos. Podemos refletir sobre isso olhando alguns dados:

O deputado Carlos Melles, principal autor dos projetos de lei 1448/2007 e 1517/2007, é um dos mais poderesos deputados mineiros, tendo sido até mesmo cotado para ser candidato à vice-presidência ao lado de José Serra nas eleições deste ano. Grande cafeicultor, foi dono da terceira campanha mais cara entre os deputados de MG em 2006. Seu nome consta em alguns escândalos e suspeitas de corrupção do cenário político brasileiro, sobre os quais não vou me alongar aqui. Para saber mais sobre o que já saiu na imprensa sobre o deputado, veja essa página da Transparência Brasil.

Ainda segundo o site da Transparência Brasil, os doadores da campanha do deputado Carlos Melles em 2006 incluem empresas do setor de siderurgia, construção civil, e entidades ligadas à cana-de-açúcar e à cafeicultura. Essas doações somaram cerca de 1,22 milhões de reais.

Outro fato notável - e BEM notável - é que o deputado e alguns familiares adquiriram, em 2008 (após a apresentação dos dois projetos de lei), a "Fazenda Boa Vista" no município de Delfinópolis. Com 254 ha, a fazenda foi adquirida por R$ 787 / ha, preço bem desvalorizado devido ao fato da fazenda estar dentro do Parque Nacional da Serra da Canastra! Com a aprovação dos seus próprios projetos de lei, a área de sua fazenda passaria a se localizar fora do Parque Nacional e a cotação da terra passaria para algo em torno de R$ 10 mil / ha. Um investimento mais rentável que qualquer bolsa de valores do mundo, não é mesmo?! Ah, para saber de onde tirei essas informações, basta clicar aqui.

Interessante também é a lista de doadores da campanha de 2006 do deputado Odair Cunha. Nela, constam novamente os cafeicultores e empresários do agronegócio, o que não é surpresa. Interessante é que está, também entre os doadores, o setor da MINERAÇÃO, aquele com maior interesse na exploração de recursos embaixo das áreas hoje pertencentes ao Parque Nacional da Serra da Canastra.

Mais uma vez, fica evidente que precisamos pensar bem a respeito de a quem estamos concedendo o poder de nos representar politicamente. Precisamos ficar atentos aos interesses que guiam as escolhas e decisões que essas pessoas tomam. Será que estão realmente representando os interesses coletivos do país, ou estão apenas legislando em causa própria ou por seus setores? Que tipo de "retorno" esses políticos dão aos doadores de suas campanhas?

Pense nisso. Pelo bem do Brasil e pelo bem de nossa biodiversidade. Pesquisei bastante para escrever esse post e digo, sinceramente, que não escrevo mais sobre os fatos acima expostos, e também sobre outros, por simples nojo de tudo que encontrei. Infelizmente...

2 comentário(s):

  1. Cientista social espontâneo é você. Parabéns pelo trabalho de pesquisa.

     
  2. Parabéns, amor! Ficou ótimo o post. Pena ser sobre algo tão deprimente e revoltante...