Viagem a Intervales - Dezembro de 2009

Embora a viagem descrita neste post tenha acontecido no início de dezembro do ano passado, estou postando agora o relato que fiz da mesma por email aos amigos birdwatchers de Sacramento-MG, já que a repercussão positiva e o feedback da minha "mestre-birdwatcher" Tietta Pivatto foram fundamentais como estímulo para a criação deste blog.

Estive semana passada passarinhando no Parque Estadual Intervales (SP). Voltei impressionado e empolgado. Muito bom poder ver lá os diversos conceitos sobre a estrutura turística para recepção de birdwatchers que vimos no curso [de observação de aves na Serra da Canastra, outubro de 2009], incluindo a qualidade e acessibilidade das trilhas, o uso dos guias locais, as acomodações e serviços disponíveis, e tudo o mais... além, é claro, de poder praticar o que aprendemos sobre as aves e a observação.

Faço aqui um breve relato dessa viagem dando algumas das minhas impressões a respeito da experiência. Fiquei 3 dias no parque praticamente sozinho, já que no meio da semana não havia ninguém além de mim e um inglês birdwatcher há 37 anos que estava lá atrás de dois passarinhos que faltavam em sua life list. Como na minha lista praticamente qualquer bicho dali seria novo, não fiquei preocupado com nenhum em especial, e me mantive aberto ao que a natureza oferecesse.

Bom, de início creio que posso dizer que o parque é muito bem estruturado para receber os birdwatchers. As acomodações são limpas e confortáveis, e não havia "cheiro de lugar fechado" quando entrei no quarto. Pelo contrário, o quarto estava muito limpo e organizado. Uma coisa legal das pousadas dentro do parque é que elas ficam cercadas pela mata, como se as habitações tivessem retirado o mínimo possível de mata nativa para serem construídas. Dava até pra ficar observando aves da sacada do meu quarto, o que me rendeu avistar um grupinho de maitaca-verde (Pionus maximiliani) e um tucano-de-bico-verde (Ramphastos dicolorus) no final da tarde do primeiro dia.



Tucano de bico verde (Ramphastos dicolorus)
Tucano-de-bico-verde (Ramphastos dicolorus). Foto: Wikimedia Commons

Outro ponto notável em Intervales é a beleza cênica das trilhas. A mata atlântica lá é exuberante e incrivelmente diversificada, um espetáculo à parte até pra quem não entende nada de plantas como eu. Além disso, as estradas de terra que cortam o parque são boas, transitáveis por veículos comuns mesmo com chuva. As trilhas pelo meio da mata são muito bonitas e muito bem conservadas. Os guias de lá fazem um ótimo trabalho de manutenção nessas trilhas. Não há nenhum sinal de lixo deixado nelas. E olha que eu andei bastante por lá: como eu não estava de carro, fiz todos os passeios à pé e no final somamos cerca de 35 km caminhados em 3 dias! Nessas trilhas, não vi nem uma tampinha de garrafa no chão, somente pegadas de bichos como onça-parda, anta e macuco (Tinamus solitarius).


Pegada de macuco (Tinamus solitarius)
Pegada de macuco (Tinamus solitarius).

E falando em guias locais, o guia que me acompanhou por lá se chama Luiz e é uma figura que conhece aquilo tudo como ninguém. Ele vive por lá há 33 anos e conhece todas as espécies de aves do parque, tanto visualmente quanto pelas mais variadas vocalizações dos bichos. Ele anda pelas trilhas como quem anda dentro de sua própria casa, sempre atento a qualquer detalhe no ambiente que possa interessar ao turista. De início, fiquei meio com o pé atrás de ser obrigado (pelas regras do parque) a andar pelo parque sempre acompanhado de um guia local pois gosto de fazer as coisas meio que por conta própria, mas logo percebi a importância do trabalho deles para a manutenção de tudo aquilo e para a segurança e o sucesso da experiência do turista. Hoje, minha opinião é que essa regra do parque só trás vantagens.

Bom, termino então esse relato falando um pouco sobre as aves que pude ver e ouvir. A floresta reserva diversos orgasmos ornitológicos, inclusive orgasmos ornito-auditivos, como foi o caso comigo quando ouvi o som do inhambuguaçu (Crypturellus obsoletus) há poucos metros à minha esquerda no meio do mato (não deu pra vê-lo!). Outro orgasmo ornito-auditivo foi ouvir, pela primeira vez, o som da martelada metálica da araponga (Procnias nudicollis). Achei aquele som fantástico ecoando por toda a mata, e é mais legal ainda ver pelo binóculo o bicho fazendo aquele barulho! Além da araponga, também pude ver outros dois cotingídeos importantes do parque: o corocochó (Carpornis cucullata) - comum na paisagem sonora mas difícil de se avistar - e o pavó (Pyroderus scutatus).

Pavó (Pyroderus scutatus)
Pavó (Pyroderus scutatus). Foto: Arthur Macarrão

Os beija-flores são um capítulo à parte. O Luiz me levou a um lugar onde várias espécies ficam lá vocalizando e se alimentando nas plantas. Se você ficar quietinho, eles vêm e param na sua frente, ao alcance da mão, e ficam parados no ar te olhando (devem estar tentando saber se você tem algum orifício por onde tirar néctar rsrs)... São várias espécies, as que gostei mais foram o beija-flor-preto (Florisuga fusca), o rabo-branco-pequeno e o rabo-branco-de-garganta-rajada (Phaethornis squalidus e P. eurynome), o beija-flor-de-topete (Stephanoxis lalandi), e o beija-flor-de-papo-branco (Leucochloris albicollis).

Beija-flor-preto (Florisuga fusca)
Beija-flor-preto (Florisuga fusca). Foto: Wikimedia Commons


Beija-flor-de-topete (Stephanoxis lalandi)
Beija-flor-de-topete (Stephanoxis lalandi). Foto: Arthur Grosset

Um pica-pau lindo que conheci por lá foi o benedito-de-testa-amarela (Melanerpes flavifrons). Tinha uma família com ninho num poste de madeira pertinho da pousada em que fiquei, e deu pra acompanhar o dia a dia dos 3 (pai, mãe e filhote macho). O filhote, aliás, passava os dias somente com o pescoço pra fora do buraco do ninho, sendo alimentado pelo pai enquanto a mãe fazia vigília no topo do poste. Outros picídeos legais de ver foram o pica-pau-rei (Campephilus robustus) e o pica-pau-anão-de-coleira (Picumnus temminckii).


Benedito-de-testa-amarela (Melanerpes flavifrons)
Benedito-de-testa-amarela (Melanerpes flavifrons). Foto: Wikimedia Commons

Bom, se eu for ficar falando de todos os orgasmos múltiplos que se têm em Intervales (e.g. gaviões, traupídeos, espécies raras/ameaçadas, etc.) vou passar a noite escrevendo esse email e ninguém vai aguentar ler. Então, em resumo, foram 98 espécies que anotei na minha lista. Isso porque eu só anoto aquelas que eu vejo bem. As que eu só escuto ou que o guia me fala o nome mas eu não consigo ver não entram na lista. O potencial do parque é muito maior que essas 98 espécies, porém esse meu critério um tanto restritivo para anotar, aliado ao fato de que eu estava sem carro para ir aos locais mais distantes e estava observando somente em horários normais (entre as 8h e as 17h) restringiram os resultados numéricos. Os resultados qualitativos, entretanto, foram mais que satisfatórios, tanto é que já dei um jeito de marcar passagens pra voltar lá no Carnaval! :-)

Trilha na mata do Parque Estadual Intervales
Trilha na mata do Parque Estadual Intervales.

1 comentário(s):

  1. Oi, Bruno!

    Belo trabalho. Parabéns!
    esses Parques são mesmo lugares especiais! As cachoeiras são maravilhosas e a variedade de pássaros também.
    Eu e a Iracema adoramos! Se não estivéssemos tão longe iríamos acompanhá-lo no carnaval (hehehe)